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Estado reembolsa R$ 20 milhões em vale-combustível a servidores com salários acima do teto

Pelo menos 413 servidores que recebem salário máximo no Estado fizeram reembolsos; valores são superiores ao preço de um carro popular por ano e foram pagos inclusive para servidor licenciado

PAÍS - 18/03/2019 08:43

Apesar de terem à disposição veículos oficiais para uso de representação em eventos e deslocamentos, membros do primeiro escalão do governo catarinense também receberam reembolsos pelo uso de carro próprio em serviço. É o que ocorreu nos casos do atual secretário de Fazenda, Paulo Eli, da procuradora-geral do Estado, Célia Iraci da Cunha, e dos integrantes da cúpula da Defensoria Pública de Santa Catarina.

Carros oficiais do governo do Estado – Marco Santiago/ND

Os dados fazem parte da auditoria do NEI (Núcleo de Informações Estratégicas), do TCE-SC (Tribunal de Contas de Santa Catarina), que revelou pagamentos indiscriminados a servidores públicos para uso de carros particulares no trabalho.

A apuração aponta indícios de irregularidades, como falta de comprovação para o pagamento das indenizações e a falta de critérios objetivos para a realização dos pagamentos. Em um dos casos, mesmo licenciado para concorrer nas eleições de 2018, um auditor fiscal recebeu os valores.

Auditor fiscal de carreira, o atual secretário da Fazenda, que está no cargo desde fevereiro de 2018, continuou recebendo valores para uso do carro próprio mesmo tendo à disposição 12 veículos oficiais e oito motoristas.

Em 2018, Eli recebeu de reembolso R$ 50.728,53 para uso de carro próprio. O mesmo se repete na Procuradoria, que também dispõe de carros oficiais. No ano passado, segundo relatório do TCE, o ex-procurador João dos Passos Martins Neto recebeu R$ 54.098,98. Segundo apurou a reportagem, os valeres continuam sendo pagos para a recém-nomeada procuradora-geral Célia Iraci Cunha.

Na Defensoria, Ana Carolina Dihl Cavalin, defensora pública-geral, reembolsou R$ 53.203,67 e o subdefensor Público-Geral, João Joffily Coutinho recebeu R$ 53.068,92. Thiago Burlani Neves, corregedor-geral, ficou com a quantia de R$ 53.147,51, todos com base na lei que autoriza pagamento ao servidor por uso do carro próprio. O órgão dispõe de ao menos 10 veículos oficias.

Como mostrou o ND na semana passada, após ter acesso a relatório do TCE-SC, entre janeiro e dezembro de 2018, o Estado gastou R$ 38 milhões com o reembolso de combustível para 769 servidores.  O pagamento mensal médio foi de R$ 4,6 mil para os servidores lotados em 18 órgãos estaduais diferentes.

O benefício foi instituído pela lei 7.881, de 1989, que exclui os valores da regra de corte do teto do funcionalismo. Ou seja, além das suspeitas de serem irregulares, muitos desses pagamentos podem ajudar os servidores a furarem o teto máximo sem o desconto determinado pela legislação.

Um carro popular por ano

A reportagem do ND cruzou informações dos 507 maiores salários do funcionalismo público, todos eles com valores brutos acima do teto (R$ 35.462,22), com a tabela de pagamentos de reembolsos divulgada pelo TCE.

Mais de 80% dos maiores salários do Estado, 413 servidores, também são beneficiados com o auxílio combustível e indenizações pelo uso de carro particular nas atividades como servidores.

Os rendimentos brutos desses funcionários variam entre R$ 35.462,22 a 60.862,69. A Secretaria de Fazenda e a Procuradoria-Geral do Estado concentram o maior número de servidores com rendimentos brutos acima do teto que recebem o chamado ‘auxílio-combustível’.

No total, em 2018, o Estado desembolsou R$ 20 milhões em reembolsos por uso do veículo com os 413 servidores que já ganham o salário máximo do Estado. Em média, esses funcionários receberam cerca de R$ 52 mil por ano do Estado, valor que pagaria tranquilamente um carro popular por ano, ou um veículo modelo SUV a cada dois anos.

Auditor que recebeu durante campanha diz que devolveu valores

Fabiano Dadam Nau, auditor da fiscal do Estado, foi um dos casos que a reportagem identificou de pagamento da verba para uso de carro próprio sem que o servidor estivesse de fato exercendo a atividade.

Em abril de 2018, Dadam pediu licença do cargo para concorrer ao como deputado estadual. Mesmo assim, segundo apontou relatório do TCE, entre julho e dezembro, incluindo o período em que esteve em campanha, o servidor recebeu valores que só deveriam ser pagos caso ele estivesse usando o carro em serviço.

Procurado pela reportagem, Dadam confirmou ter recebido os valores, mas disse que já os devolveu aos cofres públicos. Ele e classificou como irresponsável o apontamento do TCE e disse que as informações do relatório “são mentirosas”. “Eu devolvi todos os valores. O TCE deveria ter se informado”, respondeu.

Por meio de assessoria, o governo confirmou o pagamento dos valores ao servidor mesmo durante seu afastamento das atividades, ou seja, sem que ele tivesse comprovado o uso de veículo próprio em serviço, já que estava em campanha. Segundo assessoria, o total devolvido por Dadam em 2018 foi de R$ 21.134,79.

TCE diz que é preciso comprovar uso de veículo próprio

A auditoria da corte de contas questiona o pagamento da verba por uso de carro próprio mesmo em órgãos onde há à disposição veículos oficiais. “Todos os procuradores recebem a verba, incluindo o Procurador-Geral e os mais de 60 procuradores que atuam na sede da procuradoria”, aponta auditoria.

O órgão diz que nesses casos há “incompatibilidade com o recebimento da verba indenizatória pela autoridade que o utiliza”. Em novembro de 2018, por exemplo, a PGE mantinha sete servidores ativos no cargo de motorista.

Para os auditores, nestes casos, é preciso buscar a comprovação do efetivo uso de veículo próprio em serviço para justificar a indenização. “Em todos os casos, a análise realizada conduz à conclusão de que a verba é paga aos integrantes das carreiras independentemente do exercício regular das atividades próprias dos cargos e da comprovação da efetiva utilização do veículo próprio em serviço”, afirma a auditoria.

Os dados apurados também contestam o pagamento para servidores cedidos para outros órgãos ou em atividade interna. “Isso posto, sugere-se que possam ser requisitadas informações sobre as atividades desempenhadas pelos integrantes das categorias funcionais beneficiadas para avaliar a efetiva utilização do veículo e a razoabilidade dos valores pagos”.

O TCE-SC lembra que todos esses órgãos têm à disposição veículos oficiais. Segundo o governo do Estado, a secretaria da Fazenda tem sete carros, a procuradoria tem 14 veículos e a Defensoria possui quatro. No documento do TCE, a Fazenda possuía 12 carros, e a defensoria tinha uma frota de 10 veículos, sendo quatro deles adquiridos em setembro de 2015. “Pouco antes do início do recebimento da verba pelos defensores públicos”, detalha a auditoria.

Contraponto

Por meio de assessoria de imprensa, o governo catarinense confirmou o reembolso por uso de veículo próprio por parte dos membros do primeiro escalão. Segundo a nota, o secretário Paulo Eli, que optou por manter seus rendimentos do cargo de origem, como auditor fiscal, utiliza carro próprio para todos os deslocamentos, “inclusive com os gastos de estacionamento”, segundo informou.

A mesma situação ocorre na Defensoria Pública, que chegou a baixar uma circular para que todos os defensores utilizem somente veículos próprios, já que o órgão dispõe apenas de quatro carros oficiais. A circular estabelece que os veículos oficiais da Defensoria Pública devem ser utilizados somente por pelos servidores  (diretores, gerentes, analistas e técnicos que não são defensores públicos e não recebem indenização), para descolamentos necessários à execução do serviço administrativo.

Na Procuradoria, a informação é de que tanto a procuradora-geral como os demais procuradores podem escolher se utilizam carro próprio ou oficial, sem explicar como é feito o controle do veículo próprio nesses casos para fins de cálculo de reembolso.

“Os procuradores-gerais dispõem de veículo para atendimento às demandas do cargo, podendo usar tanto os veículos oficiais quanto o carro próprio, conforme a necessidade”, afirmou o governo.  Só este ano, entre janeiro e fevereiro, o valor recebido pela procuradora-geral Célia Iraci da Cunha foi de R$ 9.322,33.

Segundo o governo, está em tramitação final uma proposta que pretende contratar por licitação transporte terrestre com a perspectiva de reduzir em até 50% a frota dos órgãos setoriais.

Contadores da Fazenda Estadual – “As possíveis atribuições externas limitam-se àquelas constantes no item 18 do Anexo II-E da Lei Complementar no 352/2006.2 Não se conseguiu identificar nos dados disponíveis nenhum contador dedicado a tal atividade.”

Auditores internos do Poder Executivo– “Apesar da previsão legal de realização de trabalhos externos (auditorias e inspeções), nos termos do Anexo II-F da Lei Complementar no 352/2006, em regra desempenham suas funções na capital do estado, sem necessidade de deslocamentos constantes. Na capital está sediada a Diretoria de Auditoria Geral — DIAG, e estão lotados todos os Auditores Internos do Poder Executivo.”

Auditores Fiscais da Receita Estadual – Segundo o levantamento, a verba parece compatível com aqueles que exercem a fiscalização em campo. “Restando avaliar a proporcionalidade do valor pago. “Diversamente, não se vislumbra justificativa para o pagamento da indenização nos moldes atuais aos auditores fiscais lotados na sede e que exercem funções internas, aos cedidos e aos que não se encontram no exercício das funções próprias da carreira.”

Entre os servidores que tiveram salário bruto acima do teto em fevereiro e recebem o ‘vale-combustível’:

336 auditores fiscais

44 procuradores, incluindo o procurador-geral

1 secretário de Estado

Em 2018 Estado pagou R$ 38 milhões com o reembolso de combustível para 769 servidores.

413 servidores que já recebem o teto do funcionalismo receberam em média mais R$ 52 mil por ano para uso do carro próprio. Com esses servidores o Estado desembolsou R$ 20,8 milhões.

R$ 52 mil é o valor que os servidores recebem por ano com ‘vale-combustível’

Fonte: FÁBIO BISPO E LÚCIO LAMBRANHO, FLORIANÓPOLIS
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